Monday, April 09, 2007

Pequena estória


"O meu avô paterno, devido a doença incapacitante, passava os dias sentado à sombra munido dum mata-moscas que manejava com destreza. No final da tarde um montinho negro junto a um dos seus sapatos descriminava o número de moscas mortas nesse dia. Presenciei vezes sem conta esta ocorrência nos fins-de-semana e férias que passei em Olho Marinho, donde ele era natural e vivia.

Em finais de 2006 passei duas semanas no CENTA (Vila Velha de Ródão). Confrontado com uma quantidade imensa de moscas (no campo elas abundam), dei por mim a quase repetir os gestos do meu avô Matias, num acto higienista de libertar os espaços que eram a minha casa temporária. Dentro do trabalho que aí desenvolvi (THE LIGHT UNDER, que consistiu em reproduzir sombras de partes da paisagem sobre papel, desde folhas e ramos até líquens e insectos mortos) os 129 desenhos de pequeno formato, aqui apresentados, constituem um bloco autónomo em homenagem ao meu avô.

Março, 2007
Jorge Leal"


a minha avó Olímpia, senhora que desde que conheci não saía muito de casa, a não ser de manhãzinha para umas compras no mercado, acompanhada de um cão ..Jáqui... que andava de forma tão pachorrenta como ela, dedicava-se também a esse tétrico passatempo. Após as lidas da casa, almoço feito, jornal mariano lido, restava pouco a fazer senão ficar sentada pela sala, alternando as olhadelas à janela com o matar das moscas, ia acumulando os pequenos cadáveres no parapeito da janela, sendo que ao fim do dia faria também ela o rastreio da caça do dia. Lembro-me sempre do cuidado com que as descolava do mata-moscas, aqueles que tem uma aranha ou mosquito recortado num plástico violeta desmaiado.


ficam assim duas pequenas estórias - curioso isto da contagem, do tempo, das horas, dos carros, das moscas capturadas.

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